segunda-feira, 23 de setembro de 2024

sábado, 11 de maio de 2024

Parte 5

Os dias,  as noites, sobretudo as noites assumiram um ritual. 

Um permanente sonhar acordado. Um formigueiro no corpo, mil imagens a passar continuamente pela cabeça; beijos, prazer,  química,  sintonia, afastamento,  frieza,  entorpecimento...

A vida continuava, horas a trabalhar ao computador, horas no campo, o cansaço ajudava a dormir algumas horas até que um sábado numa pequena mercearia, o inevitável aconteceu. 

Não queria sentir o que senti na outra noite, melhor não queria transparecer o que senti.

Normalmente a tentativa de fazer humor é uma arma de dois gumes...

- Olá,  por aqui? Tantos anos e agora pasamos a vida a cruzar-nos, olha que aqui não há peixe fresco - sorri.

"Aqui não há peixe fresco", mau demais, mal acabei de dizer, tive vontade de me esconder. 

- Olá, muito obrigado pela dica, continuas muito espirituoso, apesar da barba estar a ficar grisalha.

E riu. 

Existem coisas que não se explicam a empatia de duas pessoas que ficam anos sem saber uma da outra, é estranho, surreal e ao mesmo tempo bom, é a única expressão que me ocorre.


quinta-feira, 25 de abril de 2024

Parte 4

 - É uma pessoa que conheci faz muitos anos, chegámos a trabalhar na mesma empresa - e acrescentou na tentativa de que a conversa acabasse aí - Faz muitos anos que não o via...

- Ok, agora são quase vizinhos na província e confesso que achei o tipo um bocado o esquisito - disse  ele.

- Sempre foi um bocado estranho - e a conversa sobre o Pedro, o tal estranho que passado tantos anos se voltou a cruzar com o seu olhar terminou. 

Nessa noite ela esperou que o marido fosse dormir.  A cabeça fervilhava, o passado em imagens difusas voltava a ocupar um espaço que ela talvez por engano achou preenchido.

Não  era a forma como tudo tinha terminado, doloroso para todos, insano, o vazio enorme, ela nessa noite fria e húmida recordava a forma como se entregavam um ao outro. 

A sensação de tempo e espaço a desvanecer, os corpos quentes, ele grande, quente, ousado, ela pequena, intensa, ambos sedentos um do outro. 

Era mágico pensou ela e apesar de gostar do marido, que lhe dava conforto, carinho e inclusive tinham um filho.

Tinha tudo mas não tinha amor, adormeceu a pensar nessas palavras.

Ele sozinho, não muito longe, solitário olhava as estrelas...

domingo, 7 de abril de 2024

Parte 3

 Nunca um olá me tinha deixado assim.

Petrificado,  um segundo parecia uma hora.

- Olá,  que coincidência - disse eu.

-  O que fazes por aqui? Sítio estranho para nos voltarmos a ver. Este é o Rui,  o meu marido.

- Olá Rui - disse eu observando o homem que estava colado a ela, demonstrando claramente que eu era um número fora da equação - Comprei uma pequena quinta e passo aqui a maioria dos fins de semana, virei  rústico.

Uma tentativa desajeitada de fazer humor, sem qualquer impacto, teria sido da cerveja ou estaria mesmo nervoso?

-  Que giro, o pai do Rui tem uma herdade em São Salvador da Aramenha.

- Marvão é mesmo pequeno - disse eu, continuando a tentar fintar os nervos. 

- Bem vou continuar com a minha cerveja,  divirtam-se e virei novamente para o simpático empregado do bar e pedi mais uma.

- Adeus João, tirando estares mais velho, estás igual, vemo-nos por aí. 

E sorriu. Tantas memórias que me passaram pela cabeça, a primeira troca de olhares, as primeiras palavras, o olhar dela, o meu jeito trapalhão,  fiquei a sonhar acordado.

Sempre senti que aquela ferida nunca tinha sido totalmente curada. Mas a vida tinha continuado e eu mais velho e no "fim do mundo".

Resolvi sair. Ir ao castelo, apanhar vento, ver as estrelas. Precisa de esquecer o passado.

Enquanto eu me perdia em divagações naquele café perdido na aldeia, alguém não tinha gostado da conversa. 

- Quem era aquele tipo meio estranho?

Reflexão profunda

 Após semanas de reflexão cheguei a uma conclusão.  Sou um idiota.