segunda-feira, 28 de outubro de 2013
O cavaleiro desconhecido
Avancei em direção ao misterioso cavaleiro, estava de costas para mim fitando o fogo, toquei-lhe levemente no ombro e lentamente virou-se para mim com um sorriso mordaz.
- Daerlig! - exclamei - Saudações Décimus, cresceste - respondeu em tom jocoso.
Ambos sorrimos, Daerlig era saxão, um guerreiro transformado em escravo numa incursão punitiva na fronteira à norte. Era um temível lutador com espada e machado. O meu pai tinha o comprado ainda jovem e Daerlig assumiu um papel importante na minha família, tinha sido ele a treinar-me nas armas.
Tinha ganho a sua liberdade e partido para Olissipo, recordo-me de sentir uma lágrima ao vê-lo partir e das suas palavras, "voltaremos a partilhar o mesmo caminho jovem Senhor".
- Daerlig, contava que estivesses com os teus irmãos saxões e jutos a pilhar a Britânia, mas vejo-te ainda na Hispânia e a servir o Governador de Olissipo, foi o feitiço de alguma bela lusitana? - o saxão fez um esgar
- Décimus hoje em dia sou quase tão romano como tu, passei mais de metade da minha vida no Império, agradece à bondade do teu pai, mesmo quando era escravo sentia-me livre no interior, estou demasiado civilizado para usar novamente peles, pintar a cara e dormir com um saxã fedorenta.
Mesmo num momento conturbado o familiar praguejar de Daerlig fazia-me rir e esquecer momentaneamente o perigo que todos vivíamos.
Lembraste das ultimas palavras que trocámos? - Sim Daerlig, lembro-me- respondi - Córnelio não apreciou mas disse que iria acompanhar-te até a próxima Civitas, vou contigo para norte, disse ao legado que ia tentar saber o que se passava na província a norte e regressar com noticias.
- A tua companhia é bem vinda mas sabes o risco que corres? Em Olissipo tens uma muralha e o mar, aqui partimos para o desconhecido e podemos encontrar a a morte a qualquer momento - Ah...pareces um velho a falar, apesar de ser mais romano que saxão, nunca gostei de me esconder atrás de uma muralha de pedra.
Nessa ultima noite Daerlig e António partilharam historias de velhas batalhas, pilhagens e conquistas amorosas junto ao fogo.
Apesar de os ouvir a minha mente vagueava entre o que iriamos encontrar a norte e em Tibéria. Ela estava junto ao séquito do Legado, fugazmente olhava para ela, observava a sua expressão, a profundeza dos seus olhos, as linhas do seu rosto pois na altura não sabia se a voltaria a ver.
O amor ao longo da vida consome mas o amor impossível na juventude corroí, faz-nos sentir pequenos e durante a noite mal dormida acabei por concluir que deixar de ver a Tibéria no fundo era o melhor para a minha sobrevivência e sanidade mental.
Mas a recordação daqueles olhos ficaram presentes na memória até ao nosso reencontro, a nossa história estava apenas no início...
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