quinta-feira, 24 de março de 2016

um conto a aventura continua...

...

Entrei no aeroporto de Lisboa, respirei fundo, olhei para trás, tinha de partir. Sou impulsivo, podia viver mais mil anos que para o bem ou o mal seria assim.

Levava comigo duas malas, uma cheia de roupa e a outra de livros. Fiz o check in, sorri para hospedeira de terra, ela retribuiu, afinal estou vivo.

Sentei-me num dos cafés do aeroporto, pedi um café longo, olhei para o telemóvel, nada, melhor assim.

Tinha de fazer tempo até ao embarque, folhei o jornal, observei as pessoas que gravitavam naquela zona.

Foquei-me num casal jovem, apaixonado, ambos sorriam e trocavam prolongados beijos. Dei por mim a sorrir, era isso o que eu queria da vida, sorrir constantemente.

Acordei do meu "sonho" com uma voz feminina, falava português com sotaque.

- Olá, as mesas estão todas ocupadas, posso sentar-me? - pelo sotaque era inglesa.

- Claro que pode, faça favor - respondi usando o meu formalismo pouco sexy.

- Obrigado sou a Heather, desculpa o meu mau português - usou um sorriso genuíno.

Ela era jovem, na casa dos trinta, loira, pele clara, olhos  esverdeados, elegante, mas foi no sorriso que me concentrei.

- Hi Heather - sorri também - Sou o João ou se preferires John.

- John João ehehehe - disse a rir.

- Pode ser, vais para onde? - concentrei-me  nos pormenores, usava uns jeans rasgados no joelho, uns ténis da moda e uma camisa de ganga clara.

- Estas a olhar para mim João ?  - apanhado pensei eu - Não nada disso estava apenas a reparar que tinhas uma camisa muito bonita - retorqui num tom jovial

Ambos rimos, fazia tempo que não me sentia assim leve, sem fantasmas, duas pessoas só...

- Vou para Londres, estive em trabalho em Lisboa, agora regresso e tu?

- Vou viver para o País de Gales, aceitei uma proposta de trabalho, vou trabalhar para uma financeira.

- Nice, ops, que bom e queres ser meu amigo John? - Claro que sim, a minha primeira amiga inglesa.

O mundo é um mar de coincidências, embarcamos no mesmo voo, lugares diferentes mas com poder de persuasão conseguimos trocar lugares e ficar juntos.

Senti-me bem, a conversa fluía, foram três horas onde falámos de história, de nós, do mundo, de expetativas.

Falámos de comida, de música, de viagens, ficou prometido um passeio pelo Alentejo, uma ida a Almourol, um cruzeiro no Douro, uma ida Cornualha, a muralha de Adriano, falamos de tudo e de nada.

Chegámos a Londres, eu tinha o tempo cronometrado para apanhar o comboio para Cardif, trocamos números de telefone e moradas.

- Adeus Heather, vou ter saudades - Saudades? what? - disse ela a rir e agarrou-me o meu corpo envolvendo-me num abraço forte, intenso e beijou ao leve os meus lábios, demasiado leve.

- Miss you João - partiu fiquei um minuto parado, suou a uma eternidade.

Segui para a estação pensativo, tinha-me esquecido de ligar a dizer que estava bem, olhei para o visor do telemóvel.

"Se voltasses atrás no tempo tentavas mudar algo? Eu sim... beijo"

Irónico, demasiado tarde, demasiado sofrimento, quando abri o meu coração, expus-me ao limite das minhas forças, fui rejeitado.

"Tu escolheste o presente...beijo se feliz"

Suspirei tinha um comboio para apanhar, uma vida nova a começar, o sorriso da Heather, meti os phones e ouvi...





“Bebi” tudo o que estava no horizonte do trajeto do comboio. A paisagem que desde muito sonhava observar, tinha tanto para ver, os meus heróis de juventude todos eles tinham pisado, amado, sofrido naquele solo.

Planos não faltavam para ocupar o meu tempo livre, sentia-me livre, um adolescente trintão a viver uma segunda vida. Os rios, os campos, as ruínas, os livros de Bernard Cornwell e Simon Scarrow.

E a Heather, pensava nela, mas na verdade eu precisava de respirar, não de me voltar a sufocar na teia da paixão.

Na verdade estava carente, mas lúcido, aprendemos sempre com o que sofremos no passado e a Inês tinha-me magoado.

Pensei friamente, iria divertir-me, sexo, brincadeira, algo leve. Provavelmente era o que ela queria, amor a primeira vista, acreditei, senti, mas já não mais para esse peditório.

A minha boca tinha saudades de beijar, de calor. Não sou perfeito, precisava de ser desejado.

Liguei para um amigo.

- Então bofia maluco, tudo bem? – do outro lado responde-me uma voz rouca.

- Então miúdo, estas a gostar disso? As gajas? – não pude deixar de sorrir, teria de aprender a ser como ele, para bem da minha sanidade mental.

- Por acaso conheci uma, chama-se Heather, uma loira inglesa, gira e simpática.

- Sacaste o número? – disse de forma quase a soar a repreensão se a resposta fosse negativa.

- Ando a aprender umas merdas contigo, sim saquei, acho que podemos ser bons amigos – Amigos? Bah não sejas urso, ainda agora aterraste, tens um vasto mercado para explorar.

- Eheheh, tens razão, tens razão – ele no fundo tinha razão e eu estava decidido a ser um cabrão frio.

- Daqui a um mês vou ter férias, vou ver-te, vê se conheces umas malucas para me apresentares, agora vou ter de ir trabalhar, abraço.

- Abraço pá, vou dando notícias do fantástico País de Gales.

Custa sempre despedir do nosso melhor amigo, mas sozinhos que encontramos o nosso rumo e equilíbrio, sem medos de falhar, na verdade pior também não podia ficar.

Estava a meia hora do destino quando recebi outra mensagem;

“ só tens isso para me dizer?”

Mas o que ela quer? Deixar-me maluco? Não, não podia deixar isso acontecer, abri o meu coração em Lisboa, fiz 300km até as origens dela para apelar ao coração, ao sentimento.

Ela foi racional, optou pelo marido, fez de mim a última escolha, o dispensável indispensável, no meu orgulho isso era impossível.

E agora diz-me isto, respondi;

“Já te disse muita coisa no passado, optaste, escolheste outro…”

Não lhe quis dar o “prazer” de saber que quando me deitava a minha cabeça ficava a pensar nela sem fim mesmo apesar da frieza que demonstrou em tantos momentos.

Esquece, esquece João, vida nova.

“Hi João eu penso em ti…”


Olha a Heather lembrou-se de mim.






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