A primeira página…
Nasce mais um dia, o sol rompe a neblina, os movimentos furtivos dos animais diminuem enquanto o chilrear dos pássaros vai aumentando, mas apesar de mais um amanhecer igual a tantos outros o mundo mudou.
As legiões partiram, a ordem vacilou, o Império encontra-se moribundo, apenas sobram pequenos resquícios do poder de Roma, esta é a minha história, a história da Hispânia, de guerra, traição, isolamento, amizade, amor, perda e como sinto cada vez mais com o passar dos anos a nostalgia dos que perdi.
Sou um sobrevivente, vi muita gente morrer, agora perto da morte, passo os meus últimos anos encerrado num convento numa pequena cidade obscura chamada Egitânia , rodeado daqueles que combati durante a maior parte da minha vida,os bárbaros Suevos, os traiçoeiros confederados Visigodos.
O meu nome é Titus Aelius Lepidus, filho de um rico proprietário de terras de nome Tiberius, antigo soldado de carreira, o meu pai recebeu terras junto a cidade de Civitas Aruccitana Nova, onde nasci e passei alguns dos anos mais felizes da minha vida,os ensinamentos do meu pai, o amor de uma mãe e irmãs, longos passeios a cavalo, a primeira paixão, aqueles vastos olivais.
Já vivi o suficiente e enterrei todos os que amava, provavelmente este é o último Inverno da minha vida, guardo o meu gládio e todos os dias seguro o cabo da arma imaginando-me com menos trinta anos cavalgando no seio de amigos e lutando por uma Roma que apenas existia na magnificência dos seus edifícios pontes e estradas, Roma como civilização era como um soldado com as duas mãos decepadas.
O malvado Padre Faustos, líder espiritual deste modesto convento e tal como eu já na fase final da vida, movido por uma inimizade de décadas tentou retirar as armas, dizia ele serem a causa de todo o nosso infortúnio, eu digo que foi o contrário, foi esta religião que nos transformou em cordeiros nas mãos destes homens do norte.
O sol brilha mas o frio é intenso, enquanto me lavo observo as minhas cicatrizes, todas têm uma história. No mundo exterior, tudo se desmorona, o homem regride, apenas segue o seu instinto básico, sobreviver, chamo o Irmão Marcus, sei escrever mas as minhas mãos deformadas não ajudam.
Esta é a história de um povo, de uma causa, de vários mártires, de um ideal, é a história daqueles que lutaram pela Hispânia e por uma Roma que os esqueceu, no fundo também é a história da minha vida.
Tudo começou com a divisão do Império e a fraqueza deste em manter as suas fronteiras no Reno, a decadência moral, social, religiosa e militar começaram muitos anos antes de eu nascer, eu vivi o fim de uma idade e o inicio de outra, a idade das trevas.
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