sexta-feira, 15 de novembro de 2019

um conto parte VII

Embarquei, sem expetativas, sem sonhos, apenas com o vazio e a sombria esperança de o preencher.

Queria esquecer finalmente, voltar a acreditar em algo. No fundo voltar a viver, ver, cheirar, sentir, tocar, até dançar.

Aqui não podia ficar…

Fiz o check-in, entreguei o passaporte e sorri para a rapariga da Companhia Aérea.

Ela sorriu de volta, pensei afinal  ainda não estou assim tão acabado. Ultimamente, fugia do espelho, pouca vontade de me enfrentar, olhos nos olhos.

Entrei no avião, sentei-me junto da janela, era uma viagem longa, rumava ao oriente, a onde ninguém sabia quem eu era e o meu passado.

Estava cansado, ninguém se sentou ao meu lado, adormeci ainda o avião não tinha passado a fronteira de Portugal.

- Olá posso sentar-me? - acordei com uma voz feminina, abri os olhos, era morena, magra, sorria e eu ainda meio acordado.

- Claro que sim - disse de forma algo monossilábica. Ela sentou-se mantendo o sorriso.

- Não suportava mais estar no meu lugar, o tipo ressona imenso - disse ela, ao qual respondi.

- Também tenho os meus momentos, como te chamas? - perguntei eu vencendo a vergonha.

- Rita e tu? - disse ela com voz melosa e suave.

- João, vais para onde? Se é que não levas a mal a pergunta - respondi eu

- Tailândia e tu?

- Também, Banguecoque.

- Somos companheiros de viagem, consegues aturar-me pelo menos até ao aeroporto? - disse ela a rir e eu não resisti e ri também.

- Claro que sim, vamos ver se tu me aturas a mim.

A viagem passou depressa, falámos do presente, do que queríamos ver, do que procurávamos descobrir, ouvimos música juntos, rimos e senti uma cumplicidade estranha que aumentava de minuto para minuto.

Acabámos por perceber que ambos viajávamos sem um plano perfeito, ambos teríamos de procurar alojamento na cidade.

Quando o avião se preparava para aterrar ganhei coragem e perguntei.

- Mal te conheço e não teria coragem de te convidar para partilhar, quarto, mas podíamos enquanto estamos em Banguecoque ficar no mesmo hotel.

Fez-se silencio, senti que tinha abusado, ultrapassado a linha ténue da cordialidade.

De repente ela deu uma gargalhada.

- Adorei essa ver-te a mudar de cor, és tímido, sabias? Claro que gosto da tua ideia, partilhar quarto, ainda não decidi, eras capaz de dormir no chão?

- Quando decidires eu respondo a essa pergunta.

E o avião aterrou, clima tropical, um mar de gente e dois desconhecidos, que se pareciam conhecer partiram à descoberta.

Continua….


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