…O lume crepitava, o silêncio da noite era sepulcral embora pontuado por um ruído ocasional, o pio de um mocho e as sombras eram quase imóveis.
Acompanhado de dois legionários assumia a vigilância, enquanto o grupo de sobreviventes tentava descansar e esquecer por momentos o massacre de Pax Iulia.
Acompanhado de dois legionários assumia a vigilância, enquanto o grupo de sobreviventes tentava descansar e esquecer por momentos o massacre de Pax Iulia.
Sentado junto a uma oliveira sentia o cansaço da marcha. Tinham passado dez dias após a queda da Civitas. E desde o terceiro dia, após ter visto o horror provocado pelos Suevos, sentia que uma parte de mim tinha morrido naquele dia. Ao longo desses dias o jovem refinado, alegre, de família senatorial, definhava um pouco, dando lugar a um homem sisudo, atento, misterioso e em constante estado de alerta.
Ao início pensava que seria apenas cansaço o cansaço físico das intermináveis marchas, do medo, da batalha constante pela sobrevivência e por manter a chama da resistência acesa. Mas não, foi naquele dia que passei a ser um homem, mas não da forma que gostaria.
Apesar do cansaço, mantinha-me estóico no meu posto e sentia que aquelas pessoas que tentava proteger e levar sem saber como ou para onde, eram o meu fardo, a forma de eu acreditar que ainda havia esperança para a Hispânia.
Nessas intermináveis noites ainda havia esperança num Imperador fantoche e num império moribundo, onde pululavam invasores com sede de sangue e conquistas.
Com o cair da noite, os sussurros de adultos pontuados pelo choro de crianças ainda atónitas pelo caos, reflectiam o medo naquele grupo de sobreviventes, ao mesmo tempo o olhar triste daquelas crianças seria o baluarte da coesão. Na minha cabeça vejo e revejo parentes, amigos pessoas que perdi, a forma como as muralhas cederam, os gritos das mulheres e crianças os homens massacrados pela impetuosa horda barbara.
Sou alertado para um ruído furtivo, por um dos legionários sobreviventes, António, um dos legionários sobreviventes que fazia parte da guarnição alerta-me para um ruído furtivo.
António era um veterano calejado, calvo, com várias cicatrizes e que esperava pelo fim do serviço militar longe do perigo. Sobreviveu aos dois dias de massacre, fingindo-se de morto, utilizando os cadáveres dos companheiros para o cobrir, raro era o sobrevivente que não tinha uma história parecida para contar.
O ruído aumentou e a tensão também, levantei-me empunhando o gládio e escudo, recordo-me que a minha mão tremia, o soldado de rosto fechado segurava uma lança, preparei-me para o pior, mas era apenas uma das mulheres do grupo.
Tibéria era o seu nome, apesar de naquela altura eu ainda não o saber. Era jovem, pele branca, cabelos escuros e olhos expressivos, vestia com uma túnica que num passado recente seria moda, mas agora estava puída e gasta.
Pouco ou nada tinha dito ao longo dos dias, sem queixumes ou lamentações seguia junto do grupo, mas os seus olhos grandes e cor de mel transmitiam um misto de ódio e tristeza profundo…”eu temia que tivesse sido violada pelos guerreiros suevos e o seu espírito tivesse quebrado e entrado num estado de melancolia profunda.
E foi nessa noite silenciosa que trocamos as nossas primeiras palavras...”
Continua…
Ta muito fixe Andre!
ResponderEliminarfico a espera de mais...