quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

XXI

Lá adormeci, nada de sonhos, só a escuridão de um sono profundo, estava exausto.
Acordei, o meu dia tinha um plano, fiz a barba, tomei um duche de água fria e vesti o meu melhor fato.
Comi uma torrada bem tostada, bebi um sumo de laranja, não me apeteceu o copo de leite frio.
Sorri para mim, sou forte, acredito em mim, quando disse que a amava era verdade, não brinco com o amor, não brinco com as pessoas.
 Sou assim, às vezes intempestivo, difícil, sei que posso magoar quando me sinto atacado, um erro, mas sou humilde e sei reconhecer, só peço que ela tenha acreditado em mim.
 Fraca consolação mas era tudo o que eu desejava.
Queria apanhar o diretor bem cedo, eram sete e meia quando me meti no carro, fiz a viagem a ouvir música, a recriminar-me sobre a forma infantil como me despedi da Inês.
Entrei em Lisboa, liguei ao Nuno.
- Estás acordado? – Sim, graças a ti – respondeu ele com voz ensonada – Quero que sejas o primeiro a saber, vou despedir-me e para a semana mudo-me para Inglaterra.
- Fodasse enlouqueceste de vez, os teus pais já sabem? – Não e não digas nada ainda – retorqui.
- Logo reunião de emergência vou avisar os outros, vamos apertar contigo – Hoje não Nuno, fica para amanhã combina com eles, quero despedir-me da malta.
- Ok, que grande maluco, aquela miúda deu mesmo cabo de ti, adeus urso – Adeus pá, vou entregar o pedido demissão.
Cheguei ao escritório, disse o meu simpático bom dia, segui no elevador, tentei que a emoção não transparecesse, tinham sido bons anos, a mudança custa sempre.
Liguei o computador, já tinha recebido o contrato da outra Empresa, imprimi li, assinei e remeti de volta era oficial, a decisão estava mesmo tomada.
Aproximei-me da sala do diretor. A secretária olhou para mim, um sorriso maroto, há muito que sabia que a Rita tinha simpatia por mim.
- Bom dia Rita, cada vez mais bonita, o Dr. António está ocupado? – Ela sorriu não resistia a um elogio – Ele está sempre, mas como é para ti eu arranjo maneira de ele te dispensar cinco minutos.
Pisquei-lhe o olho e aguardei. Passados dez minutos fez-me sinal para entrar. Apesar de convicto custa sempre.
- Bom dia Doutor como vai? – Disse tentando controlar o nervosismo – Bom dia João, por acaso queria falar consigo, gostei imenso do projeto da Empresa de Turismo Rural.
Oh porra, o tipo não está a ajudar.
 – Obrigado, mas o assunto que me leva aqui é outro – Então Diga? – Quero entregar-lhe a minha carta de despedimento, vou emigrar.
- O que? Ouvi bem? – Disse em tom petulante, nitidamente o homem não estava habituado a ouvir o que não queria.
- Ouviu, sim, aqui está a carta e eu não sou o Paulo Portas a minha demissão é mesmo irrevogável, vou arrumar as minhas coisas, adeus Dr. António.
- Você é que sabe, passe pelos recursos humanos e acerte as contas, boa sorte João eu até gostava de si.
Sorri e dei-lhe um aperto de mão vigoroso. Arrumei as coisas, usei o computador para comprar uma passagem de ida para Londres, despedi-me dos colegas, os quais ficaram de agendar um jantar para uma despedida melancólica regada a álcool.
Enfiei tudo num saco, olhei pela última vez para a janela do escritório, observei o sítio onde a tinha visto pela primeira vez, sorri e fui até aos recursos humanos.
Estava com uma ideia parva na cabeça desde manhã, depois de tratar da burocracia resolvi fazer uma pergunta.
- Colega pode dizer-me a morada da Inês, a colega que trabalha nos projetos da zona centro, que vive perto da Covilhã, tenho um livro dela quero devolver, mas não sei a morada.
E ele deu-me a morada, apontei. E fui embora, só faltava um parágrafo para encerrar este capítulo da minha vida.
Saí acabei por comer qualquer coisa em Lisboa, fui a casa, troquei de roupa, vesti uns jeans, t-shirt uns ténis, agarrei num pacote de bolachas, um casaco e enfiei-me novamente no carro.
 Meti a morada no GPS, ia chegar lá por volta das onze, paciência mais vale tarde que nunca.
Foi uma viagem ansiosa, os kilometros não passavam, a paisagem era enfadonha, só queria chegar e libertar o que tinha dentro de mim.
Parei para tomar café e comprar água, não atendi as dúzias de chamadas, a minha partida espalhou-se rapidamente, não me apetecia falar disso.
Cheguei a terra dela, uma pequena vila, passei junto ao rio, parei para respirar e concentrar-me fiquei cinco minutos a ouvir o som da água a borbulhar e disse para mim é agora.
Andei mais dois minutos, parei a porta da casa dela, havia luz na janela, estava frio, devia ter vestido algo mais quente, não interessa, olhei em redor, só se via a escuridão da noite, toquei a porta.
Foi um toque tímido mas sentia-me corajoso.
Ela abriu a porta, usava umas calças cinza, justas, umas pantufas engraçadas e uma camisola larga, olhou-me por três segundos, espantada, depois sorriu levemente.
- Estás perdido? – disse enquanto tirava o sorriso espontâneo do rosto – Não, o GPS funcionou maravilhosamente, cheguei à primeira.
Ela não resistiu e sorriu novamente.
- O que fazes aqui João? – questionou – Vim dizer-te algo – disse com convicção.
Ficou em silêncio a espera que eu falasse. Suspirei e disse aquilo que devia ter dito no restaurante.
- Inês vou amar-te para sempre, não vai passar um dia da minha vida que não me lembre de ti, desejo-te o melhor sempre, mesmo que o melhor para ti seja longe de mim.
- João… - ela ia falar, mas o Rui tinha chegado junto à porta.
Quem é este tipo? Não é o teu coleguinha da discoteca? O que ele faz aqui? – disse meio irado, o tipo era ciumento.
- Olá Rui, sim sou eu o João, vim despedir-me da sua mulher, vou para Inglaterra e vim dizer que a amo.
E levei um grande murro, vi uma lágrima e um meio sorriso maroto no rosto dela.
- Meu cabrão se voltas aqui dou cabo de ti – gritava o Rui em pleno pulmões.
- Adeus Inês - disse eu - Adeus João, boa sorte – disse ela meio timidamente.

O meu lábio sangrava, mas olhar dela dizia tudo, meti-me no carro e parei novamente junto ao rio, precisava de um pouco de frio no rosto mas sorri para mim mesmo.
A vida tinha de continuar, só o que sinto por ela  é que nunca irá mudar.

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